Morre um artista, ator, diretor, professor, produtor, agitador cultural!
Deixa-nos marcas bastante pessoais que ficarão enraigadas na memória feirense, erudita e popular, artística e social...
Passa Marcus Moraes, ficando cá na lembrança da gente sempre!
Oxalá te receba e te abençoe com grande festa e luz!
O luto a um artista não se faz com silêncio, mas com palavras, cânticos, danças, cores, tons, versos, sons, ritmos e é por isso que resolvi reservar esse espaço no blog para homenagear este grande artista. Abaixo segue uma das entrevistas já relaizadas com Marcus Moraes:
Foi encontrado morto no sábado em seu apartamento, o artista plástico feirense Marcus Moraes, um dos mais conhecidos artistas de Feira de Santana. A Polícia Técnica encontra-se no local e segundo informações extra-oficiais há marcas de crueldade pelo corpo. O veículo do artista foi levado.
O Governo Municipal, através da Secretaria Municipal de Cultura, Esporte e Lazer, lamenta a morte do artista plástico feirense, Marcos Antônio de Oliveira Moraes (Marcus Moraes), 54 anos, ocorrida na manhã deste sábado, em Feira de Santana.
Marcus Moraes, como era mais conhecido, teve o corpo velado na capela do Hospital Dom Pedro de Alcântara, sendo sepultado na manhã deste domingo (18). Parentes e amigos estiveram presentes, prestando a última homenagem ao artista.
O prefeito Tarcízio Pimenta acompanhou o sepultamento do corpo de Marcus Moraes e lamentou a violência que a cada dia faz novas vítimas em Feira de Santana.
"O município perde um grande artista, senão um dos mais conhecidos de Feira de Santana. A violência tem alcançado índices insuportáveis", lamentou o prefeito.
ENTREVISTA AO
BLOG DA FEIRA
Em entrevista, concedida ao jornalista Jânio Rêgo e à atriz Celly Rodrigues, o artista Marcus Moraes fala sobre sua exposição no Museu de Arte Contemporânea - Guia de Todos os Santos - e em declarações apaixonados de amor a Feira de Santana e à sua cultura, alfineta políticos, gestores públicos e contraria uma afirmativa muito comum nos meios culturais, a de que as pessoas em Feira não dão valor às artes: dão sim; sempre contei muito com o comércio e a indústria.
Leia:
BLOG DA FEIRA - Marcus, como você vê o panorama das artes plásticas em Feira de Santana atualmente?
MARCUS MORAES - Feira de Santana há muitos anos abriu os braços para a produção das artes plásticas. Nós temos uma grande quantidade de artistas plásticos. Falta, e sempre faltou e mesmo hoje que a cidade cresceu bastante, evoluiu muito, ainda falta iniciativa das instituição de direito, de governo e de município, que venha apoiar esses artistas na divulgação de seu trabalho.
BF - E como você se insere dentro deste contexto?
MM - Minha carreira como artista plástico sempre foi pautada pela iniciativa particular. Sempre contei muito com a participação do comércio, da indústria, de pessoas próximas. As pessoas têm mania de dizer que em Feira de Santana as pessoas não dão valor aos artistas de Feira. Dão sim. Quem não dá valor e não tem interesse talvez sejam nossos governantes. Porque o artista é uma porta de voz que é muito ouvida e a sociedade segue, como o artista tem a liberdade de dizer o que pensa e o que acha, então é melhor deixar quietinho no canto, do que dar voz a quem pode porque fala com a clareza e ciente daquilo que está fazendo e propondo.
BF - Você está dizendo então que é a parte comercial e a parte produtora de Feira que prestigia a arte em Feira de Santana?
MM- É quem banca. Por exemplo, eu recorri às instituições,{refere-se à exposição dele no Mac, clique aqui} vamos dizer assim, a instâncias de governo e eu não tive apoio nenhum.Fui à iniciativa privada e consegui apoio muito claro: fiz parceria com a gráfica, onde consegui meus convites, meus outdoor estão na cidade, coquetel, divulgação, imprensa, eu sempre tive o apoio de todas as pessoas, menos de quem? de quem deveria estar fomentando a cultura da cidade, é o papel de todo governo. Então tem assim, onde é que a Prefeitura entra por exemplo? Deu-me o espaço lá e eu que me vire com o que tem lá, porque nem iluminação adequada tem, climatização também não tem, então quem vai montar toda estrutura para o dia da vernisagem, sou eu.
BF-- Marcus como você vê a atuação dos atuais gestores públicos de nossa cidade?
MM - Olha, eu digo sempre que Feira de Santana é uma cidade de pouca sorte com seus gestores da área cultural. Eu não sei nem o que se passa, sei que tem uma questão política por trás, mas na hora da escolha, sempre a gente acaba no prejuízo e não é só com as artes plásticas não, é com as artes de um modo geral. Eu fico me questionando ao longo desses anos que estou em Feira desenvolvendo minhas atividades tanto como ator, ou como artista plástico e produtor de cultura nesta cidade, como é que nós conseguimos sobreviver, porque é um descaso, vou dizer mais contundentemente, é um desrespeito. A gente sobrevive por que a gente quer sobreviver, a gente tem vontade, a gente tem amor a essa terra. Por que os nossos políticos, ou eles não entendem ou eles não têm formação ou eles não têm interesse em promover uma política pública que venha favorecer o desenvolvimento da cidade. Agora eu não entendo, como é que pessoas que ocupam cargos públicos, que deveria ter um conhecimento de contextualização, de globalização, de um mundo, não têm essa visão para mudar a panorâmica da cidade. Se isso fosse investido com mais eficiência, o índice de violência na cidade com certeza cairia, um povo culto, um povo bem informado, até mesmo porque as exposições, as peças de teatro, são lazer, e a gente não tem válvula de lazer nessa cidade, é só trabalho, porque os nossos governantes infelizmente, acreditam que isso aqui, infelizmente é apenas um curral de trabalho.
BF - Você é um artista plástico, que transita pelas artes cênicas como ator e diretor de teatro, é um decorador reconhecido e também é professor do ensino médio. Este artista multifacetado que você é encontra em Feira suportes para desenvolver seus projetos de forma confortável e satisfatória?
MM - Olha em minha vida tem uns amigos que dizem assim, que eu sou maluco, que eu só vivo trabalhando, eu não sei ser de outro jeito, inclusive você me diz isso né Celly? Mas eu não sei fazer de outro jeito, eu tenho uma paixão muito grande e eu tenho um desejo, de sonho, assim, de ver essa cidade com outra cara, quando eu estou nas escolas, fazendo meu papel de professor, eu também me vejo como um elo, como sujeito que está fazendo a ponte entre aqueles jovens estudantes e a possibilidade da aquisição cultural, quando eu estou na área de decoração não deixa de ser as artes plásticas também, é um pouco da constituição da questão estética, da filosofia e dentro do meu trabalho, o que eu busco também é valorizar o artista regional, se eu posso incluir telas, as telas serão dos artistas de Feira de Santana, se eu posso buscar um artesanato, ou uma louça, uma pintura, são dos artistas de Feira de Santana, eu acredito que um povo que preserve sua identidade ele é muito mais forte.
BF - E você acha então que Feira tem uma identidade? O que é que diferencia assim a arte feirense, da arte que ta sendo feita ali no litoral? O que é que diferencia o artista plástico feirense, se é que se tem uma identidade, uma característica própria, dos outros artistas?
MM- Olha veja só, o que diferencia os artistas, na verdade, são as proposições e suas políticas quanto artista. A arte, ela vai ser arte em qualquer canto do mundo, agora, quem ta lá no litoral, vamos dizer assim, em Salvador na capital, tem outras possibilidades que quem está no interior não tem, e o governo também do estado não tem uma política que fomente, trazer esses grandes talentos do interior para circular pelo estado, e até por outros estados. O que é que acontece? Fica tudo muito regional, nós temos muito talentos sufocados por causa de condição de divulgação, ninguém está pedindo pro governo bancar o artista, fazer viagem, nada disso, mas ter uma política que rode o trabalho, a sua produção. E quando eu estou falando artista, eu não estou só falando das artes plásticas, eu estou falando de todos aqueles que produzem cultura e arte neste estado.
BF - Depois de algum tempo sem fazer exposição individual, você volta agora com esta exposição chamada Bahia de Todos os Santos. Que fase é esta que você está vivendo agora?
MM - Veja só, a gente sempre brinca aqui na Bahia que nós somos filhos de um santo, ou que tem um santo que nos protege. E eu acho isso muito legal e é verdade, o baiano apesar dessa coisa toda do folclore, no fundo eles são muito... místicos mesmo né? Nós somos um povo místico e credores, a gente tem fé, a gente acredita na possibilidade. E nessa busca eu comecei a mexer nas minhas memórias, e aí vieram à tona...e eu gosto muito de Feira de Santana e eu disse: vou fazer uma homenagem a essa cidade, que as pessoas falam muito mal dela e que eu não vejo por esse ângulo e vou tentar retratar como eu vejo Feira e aí me veio a inspiração de fazer A Guia de Todos os Santos. Nessa mostra, falo da questão religiosa, da festa de Santana, com seus andores, com suas barracas. Eu também falo, pinto melhor dizendo, porque eu falo com as tintas, que há uma grande mistura: a mesma baiana do Candomblé, a filha de santo, ela ia à lavagem da igreja, e lavava a igreja com a fé em Santana, a padroeira da cidade e essa mesma baiana também no dia da Levagem da Lenha que era uma festa que rememorava os tempos dos vaqueiros, que aqui chegavam para fazer seus negócios de gado, elas vinham com um feixe de lenha e faziam uma grande fogueira na frente da igreja e todo mundo cantava e dançava, era uma grande celebração, como se a gente tivesse festejando a nossa própria história, um grande aniversário, onde os parabéns eram cantados em torno não de uma vela, mas de uma grande fogueira.
BF - Você tem fé?
MM - Ah! Só tenho fé. Porque acho que a fé é que nos move a fazer o que a gente acredita. O homem tem que ter fé porque é na fé que ele sonha, é a fé que move ele a construir, a buscar a sua realização a sua identidade, é a fé que leva ele a acreditar na possibilidade de. Se eu não tivesse fé de que poderia fazer algo, não é para mim diretamente, mas pela minha cidade, pelo povo, eu teria ficado em São Paulo, teria ficado em São Paulo até hoje, ou como alguns amigos meus dizem: Ah! Você se você fosse embora daqui, você seria outra pessoa. Eu não quero ser outra pessoa fora daqui, eu quero ser aqui, é meu lugar, eu sou Feira! Interessante isso e as pessoas as vezes não entendem, e foi morando em Feira que eu tive oportunidade de ir pro exterior mostrar o meu trabalho, e não foi no tempo que eu morava em São Paulo, que é mais lógico, porque o cara está em São Paulo, porque São Paulo... e é São Paulo que vai abrir a porta e sempre que morei em Salvador e é Salvador que vai abrir a porta, não, foi morando em Feira que eu fui pra Paris mostrar meu trabalho e cheguei lá tive a grata satisfação de ver que o cartaz da exposição era um bumba-meu-boi de Feira de Santana. Como é que eu vou sair daqui, eu tenho fé nessa cidade.
BF - Qual a sua expectativa em relação a esta exposição?
MM - Olha minha expectativa é que as pessoas que lá forem, saiam de lá felizes, bem humoradas, tendo outro olhar sobre a cidade, sendo seu próprio espelho, que chegue lá e se identifique, que seja a noite de um grande encontro. Que seja a festa que Santana merece. E que nós merecemos como filhos dela, filhos dessa terra de Santana dos Olhos D'água.
BF -Sua fé é sincrética. E falando em fé qual é o seu santo?
MM - Olha, eu sou filho de todos os santos. Mas eu acredito piamente que quando estou professor, em sala de aula eu digo muito assim: Que não importa o apelido que a gente ponha, se é Jesus, se é Oxalá. É um Deus superior que a gente está se dirigindo. O que vale em tudo isso é o respeito de como você esta se dirigindo a Ele, é a fé que você deposita Nele e como isso te alimenta.
BF - O que move você hoje pra continuar pintando?
MM - O que me fascina na pintura é o desafio é ver a tela branca na minha frente, é o pensar naquela tela e modificá-la. O que me motiva mais é o de contribuir com a minha cidade e com o meu povo. Isso é o que me leva, o fato de eu poder levar o nome de Feira para os lugares, mostrar para as pessoa de Feira que Feira é viável, que as pessoas valorizem, mostrar que as pessoas valorizam e respeitam sim os seus artistas.
BF - Você está lá também na pinacoteca do CDL, como você vê essa implantação?
MM - Para todo artista é fundamental ver a sua obra ser tratada com dignidade, com respeito, com carinho. E o trabalho que a CDL fez conosco foi isso. Um trabalho decente, cuidadosamente preparado para aninhar, para acolher aqueles artistas. Teve o cuidado de fazer uma divulgação e de fazer um catálogo e ter ali uma galeria permanente do registro da memória daqueles, ou de parte daqueles que trabalham em função da cultura e das artes plásticas em Feira de Santana.